Artigo das idealizadoras do Projeto Umami na Revista Brasileira de Ecoturismo

Acaba de ser lançada, no dia 27 de setembro, a Edição Comemorativa da Revista Brasileira de Ecoturismo, (v.5 n.3), para comemorar a data em que se completam 50 anos do lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson e o Dia do Turismólogo. Nas palavras do editor chefe da revista, Zysman Neiman:





"Não há como negar a importância dessa obra para o movimento ambientalista. Quando de sua publicação, em 1962, o mundo assistia a um aumento significativo dos problemas ambientais, principalmente os oriundos da poluição provocada pela disseminação das indústrias, que só eram denunciados por um incipiente movimento de alguns poucos ambientalistas. Faltavam argumentos que, com o mesmo arcabouço do conhecimento científico no qual se alicerçava a tecnologia poluidora, apontassem para os malefícios de um crescimento não planejado da sociedade industrial. Rachel Carson teve a coragem de cumprir esse papel primordial, à custa de perseguição e calúnias, tornando-se a primeira a sistematizar os problemas provocados pelas substâncias tóxicas lançadas indiscriminadamente no meio ambiente, principalmente pela agricultura de grande escala. 

"Primavera Silenciosa” é considerado um dos 10 livros ambientais mais importantes do século XX, num rol de obras que inclui títulos como Estado do Mundo do Instituto Worldwatch, Caminhos da Energia Soft de Amory B. Lovins, Capitalismo Natural de Paul Hawken et. al., e A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich. 

Coincidentemente, dia 27 de setembro também é a data na qual se comemora o Dia Mundial do Turismo. A data foi instituída pela OMT (Organização Mundial do Turismo), órgão que compõe o Sistema das Nações Unidas, em setembro de 1979, em homenagem à implantação do Estatuto da entidade, adotado desde 1970, um marco na história do turismo mundial. Encerrando o nosso quinto volume, incluímos nesta edição os primeiros trabalhos apresentados no XII Encontro Nacional de Turismo com Base Local (ENTBL), em suas versões completas (em novembro publicaremos os anais no evento, com os resumos de todos os trabalhos), além de outras contribuições enviadas por renomados pesquisadores brasileiros e indianos. São quatorze artigos originais"



Dentre eles, está um artigo de nossa autoria, que aborda uma temática importante da relação do café com o turismo, intitulado:

Helga Cristina Carvalho Andrade, Marina Bernardes Carneiro Moss


Resumo

"A cafeicultura brasileira é composta 60% por agricultores familiares, responsáveis por 25% da produção nacional. No estado de Minas Gerais, a cafeicultura exerce grande influência sobre muitas economias locais, cujos municípios em geral estão localizados em áreas de montanha. O café, no contexto da agricultura familiar, não pode ser tratado com um produto genérico, já que em torno do mesmo formou-se uma cultura que ultrapassa o modo produtivo, influenciando a vida em comunidade, as tradições e mesmo a qualidade do produto final. Por ser um produto influenciado pelo microclima e pelo fator humano, o café goza de prestígio como gênero gastronômico, e o universo que o envolve pode atrair fluxo turístico para as regiões produtoras. Na Colômbia, características locais – grande maioria de agricultores familiares, dificuldades de cultivo em larga escala e de comercialização – levaram à criação da Federação dos Cafeicultores da Colômbia, organismo que não só buscou a valorização do café colombiano perante o mercado internacional, como promoveu nas origens condições para o desenvolvimento turístico centrado no tripé produto (café) x produtor (cafeicultor) x meio produtivo (microclima). Os objetivos desse trabalho consistem em i) identificar as características semelhantes entre as realidades colombiana e mineira quanto à cultura do café; ii) analisar o modelo de aproveitamento turístico do café na Colômbia; e iii) apontar diretrizes para o turismo rural focado na cafeicultura familiar mineira. A metodologia incluiu três etapas de trabalho, sendo a primeira de revisão bibliográfica, a segunda de investigação documental sobre o objeto de estudo e a terceira uma visita ao Eixo Cafeeiro, para vivenciar uma experiência de turismo rural na Colômbia. Os resultados encontrados mostram que o caso de sucesso na Colômbia, que possui características geográficas e culturais semelhantes ao estado de Minas Gerais com relação ao café, apresenta-se como um modelo a ser analisado e adaptado, visando à valorização do café mineiro em suas especificidades, o incremento de renda do cafeicultor familiar e a criação de uma identidade gastronômica mineira que inclua o café". 


Ficamos muito felizes com o convite para publicação e gostaríamos de compartilhar com vocês todos os belíssimos trabalhos publicados pela revista:






Estaremos presentes no XII Encontro Nacional de Turismo em Base Local (ENTBL) , em São Paulo, para apresentar o artigo oralmente.



Fica o convite a todos que se interessarem.

Boa leitura!

Estrutura e Capacitação: dois dos desafios para um Turismo do Café no Brasil

As andanças do Projeto Umami no Eixo Cafeeiro da Colômbia nos levaram a diversas reflexões sobre a viabilidade de promover o turismo em regiões produtoras de café aqui no Brasil. 

A flânerie pelas cafeterias de Buenos Aires contribuiu para a percepção de que um novo olhar do brasileiro sobre seu próprio café é parte essencial da construção de uma identidade que permita uma experiência turística legítima dentro das nossas fronteiras tupiniquins.

Ambas as experiências nos lembram que a estrutura (infraestrutura, macroestrutura...) e capacitação da cadeia do café para a inserção no turismo são desafios e passos essenciais se queremos construir uma cafeicultura visitável, experimentável por meio da atividade turística.

Divagando sobre esse tema, começamos um brainstorming na comunidade Rede do Café, no Peabirus. Vale a pena conferir alguns pontos de vista levantados por pessoas que estão em gerações, lugares e funções diferentes da cadeia:


Oportunamente, enquanto falávamos da necessidade de capacitar, também foi publicada a agenda de cursos do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) da Regional Sul de Minas, e um dos cursos oferecidos em julho é uma capacitação em Turismo Rural. Aqui, a agenda completa.

De quebra, pra se deliciar, vale conferir o Café Sertanejo retratado por Ensei Neto, o Café Cabeludo, o Café de Pedra... exemplos que como a cultura do nosso sertão se mistura com o café e essa bebida turva ninguém coa.

Pequenas ações, pequenas idéias, conectadas, constróem redes de alcance imprevisível.


Texto por Helga Andrade

Descobrindo os sentidos em Buenos Aires

A idéia de degustar Buenos Aires sempre foi almejada pelo Projeto Umami. A capital porteña é famosa por suas charmosas cafeterias que nos convidam a saborear diferentes tipos de café, especialmente brasileiros e colombianos. Os argentinos adoram café, e neste sentido se parecem muito com nós, os brasileiros.

A intenção era a de mergulhar nesta cidade em busca de experiências. Mas precisávamos ir além. Só conhecer cafeterias e beber bons cafés com os hermanos não caracterizam uma experiência completa. Para isso, é preciso despertar os sentidos, despertar olhares, e mais que tudo, atingir verdadeiramente as pessoas.



A ida à Argentina foi motivada pelo convite que recebemos para apresentar o Projeto Umami no Seminário sobre Comércio Exterior e Negociações Internacionais, realizado por uma parceria entre a Yuntas Internacional e a Universidade Tecnológica Nacional de Buenos Aires (UTN), fundada em 1959[1]. O convite da palestra tinha como objetivo abordar as relações comerciais entre Brasil e Argentina, tendo o café como um estudo de caso.

Em algumas palavras: o Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, embora poucos brasileiros saibam disso. Neste sentido, o Projeto Umami visualizou uma oportunidade de levar este conhecimento para os estudantes e profissionais de Comércio Exterior que estavam em Buenos Aires e participavam do seminário. A lógica por trás desta escolha é despertar o olhar dos futuros profissionais desta área para a questão do café brasileiro, umas das mais importantes commodities do país.



Não seria exagero dizer que o Brasil perde nesta balança comercial, uma vez que exporta muito grão de café cru para países que irão torrá-lo e revendê-lo no mercado externo por um preço mais valorizado. E mais que isso, o país perde a chance de exportar um produto excelente, finalizado aqui, de maior valor e que poderia contribuir para o desenvolvimento do nosso controle interno de qualidade. As exportações de café torrado e instantâneo, ainda que significativas, são muito pequenas neste cenário, embora a Argentina figure entre os principais importadores deste produto em sua fase final. E ainda nem estamos falando de café de muita qualidade, café especial de origem brasileira.

Importante deixar claro que o Projeto Umami não tem como meta somente fazer uso da cadeia produtiva do café para promover o turismo. Mais que isso, temos o entendimento de que a atividade turística é uma ferramenta extremamente importante que pode, e deve, ser utilizada para a valorização de um dos nossos principais produtos comerciais, de importância incontestável para nossa história e cultura.

Por esta razão, além de abordarmos na palestra a questão das relações comerciais envolvendo o café brasileiro, decidimos utilizar este momento para apresentar o café especial para a turma, totalmente leiga no assunto. Esta parte costuma ser muito interessante, pois as primeiras reações costumam ser de surpresa: “Nossa, nem sabia disso...” O momento da descoberta é sempre encantador. Mas não basta apenas falar sobre café gourmet, café especial... Imprescindível também apresentar o profissional do café, o Barista!

Uma palestra sobre café costuma encher a boca de água... É mesmo um convite para o despertar dos sentidos. Com os sentidos dispersos, já poderíamos passar para a outra parte da experiência: “Então, quem gostaria de nos acompanhar para uma degustação de cafés especiais”?

Ao lado da UTN existem dezenas de cafeterias, dentre elas algumas Starbucks, rede norte americana. Apesar de suas cafeterias espalhadas pelo globo não apresentarem ao cliente o trabalho artesanal e individualizado do barismo (já que usam principalmente máquinas automáticas), representam o pioneirismo no que toca à apreciação e valorização de cafés especiais. A Starbucks foi umas das responsáveis por disseminar a cultura do consumo de cafés de qualidade pelo mundo. Por esta razão, dentre as cafeterias existentes na Argentina, a Starbucks foi escolhida para o primeiro contato consciente do grupo com o café especial. E fomos muito bem recebidos pela rede, que reservou uma sala e nos ofereceu uma degustação de cafés, sob orientação de um de seus baristas.

O barista argentino nos recebeu com duas french press e blends de diferentes origens do mundo. Depois que todos apalparam os pacotes de café, os grãos e o própria cafeteira francesa, o sentido trabalhado foi o olfato...  É incrível como o aroma de um café especial é completamente diferente do café extra torrado que estamos acostumados no dia a dia brasileiro! Muito bacana a reação das pessoas ao perceberem a riqueza do aroma... E esta experiência, de despertar os sentidos básicos de uma pessoa que nunca teve contato com o café especial é bem gratificante.

O estímulo visual proporcionado por uma degustação como esta é bem marcante! Observar a french press trabalhando, o formato dos grãos de café, até mesmo sua cor, é inevitável. A cor do grão de café especial costuma ser marrom-dourada, ou marrom avermelhada... bem diferente da imagem que as pessoas costumam ter, decorrente da associação inconsciente  com aquele pó preto ao qual estamos habituado! O grão de café é lindo, e mais lindo ainda é ver como é fácil se apaixonar por ele...

E aí veio o paladar e a harmonização com alimentos doces e salgados. Era a hora da verdade, quando as pessoas experimentam o café, depois de todos estes estímulos anteriores... Confesso até que deve ser bem difícil não gostar, pois nosso corpo e nossa mente já estão bastante receptivos, em razão do processo. E ainda assim, o café nos surpreende! Sem açúcar! Imagine... O que são pessoas acostumadas com o “café docinho nosso de cada dia”, de repente ingerirem um café puro... e gostarem. E gostarem!

Tem como não se perguntar: por que eu nunca soube disso antes? Não, não tem... Aliás, confesso que no início, quando comecei a observar as pessoas passando por esta experiência e se perguntando o porquê de não terem este conhecimento, cheguei à conclusão de que isso não é algo surpreendente. É óbvio! Mesmo quem não tem muito o hábito de beber café, muito provavelmente, vai rever seus conceitos.



Uma experiência como esta nos mostra como existe um mercado consumidor potencial no Brasil. E como o brasileiro quer ter acesso a cafés de melhor qualidade no seu dia a dia. Nós amamos café, naturalmente. Ele está presente todos os dias em nossos lares. E ainda que hoje já seja possível encontrar cafés especiais à venda em padarias e supermercados mais especializados, o preço do mesmo não é nem um pouco convidativo. E poderia ser diferente? Paradoxalmente, o café especial é raro por aqui...

O turismo pode contribui muito com este processo de democratização do café especial. Primeiro por que uma pessoa em trânsito, principalmente em outro país, está mais aberta a novas experiências. Segundo por que a atividade turística permite e estimula uma troca muito interessante. Numa cidade como Buenos Aires é quase impossível não querer tomar café. Ainda que esta experiência tenha sido urbana e por isso não tenha permitido o contato com a terra, com o meio rural, caminhar pelas ruas da cidade e perceber como valorizam o café brasileiro, como ele está presente nas vitrines, nas máquinas de espresso, nos pacotes de blends especiais, desperta o olhar, chama a atenção para nosso produto. Os argentinos amam o café do Brasil e não é só nas cafeterias não! Nos supermercados, nos restaurantes, nas casas, ele está lá. O país não produz café. Seu consumo depende das importações, principalmente do café brasileiro e do colombiano.

Quando perguntei ao meu amigo argentino o que ele queria que eu levasse do Brasil, ele nem pensou duas vezes: quero café. Nós somos o país do café! Por que ainda não percebemos isso? O Projeto Umami trabalha para contribuir com um novo olhar sobre este potencial do país. Queremos que os brasileiros conheçam seu produto e tenham acesso a ele. Por isso investimos em viagens que despertem os sentidos, não importa quais sejam eles ou de que forma. Para cada tipo de público, um tipo de abordagem. Para cada realidade, um tipo de leitura. Cada experiência será única, desde que ela seja capaz de tocar na alma de quem tem a vivência.



Na Colômbia, na Argentina, no Brasil, em Minas Gerais, em São Paulo, não importa. A grande questão é ampliar o olhar, oferecer novas perspectivas e contribuir para que o primeiro passo seja dado, para que a pessoa, por si só, tenha o interesse de seguir adiante, de se aprofundar em sua busca. Esta experiência na Argentina foi bem diferente da experiência que tivemos na Colômbia, pois lá estávamos com um grupo de pessoas que já conhecem o café especial e gostariam de aprofundar seus conhecimentos. Em Buenos Aires, nossos participantes nunca tiveram contato consciente com café especial, e por esta razão, esta foi uma experiência de descoberta! Descobrindo os sentidos...

O Projeto Umami acredita em experiências.

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Confira as fotos no álbum Degustando Buenos Aires


                                     

Texto e Fotos: Marina Moss


[1] Criada com a função de criar, preservar e transmitir a técnica e a cultura universal no campo da tecnologia. Saiba mais aqui!