Artigo das idealizadoras do Projeto Umami na Revista Brasileira de Ecoturismo

Acaba de ser lançada, no dia 27 de setembro, a Edição Comemorativa da Revista Brasileira de Ecoturismo, (v.5 n.3), para comemorar a data em que se completam 50 anos do lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson e o Dia do Turismólogo. Nas palavras do editor chefe da revista, Zysman Neiman:





"Não há como negar a importância dessa obra para o movimento ambientalista. Quando de sua publicação, em 1962, o mundo assistia a um aumento significativo dos problemas ambientais, principalmente os oriundos da poluição provocada pela disseminação das indústrias, que só eram denunciados por um incipiente movimento de alguns poucos ambientalistas. Faltavam argumentos que, com o mesmo arcabouço do conhecimento científico no qual se alicerçava a tecnologia poluidora, apontassem para os malefícios de um crescimento não planejado da sociedade industrial. Rachel Carson teve a coragem de cumprir esse papel primordial, à custa de perseguição e calúnias, tornando-se a primeira a sistematizar os problemas provocados pelas substâncias tóxicas lançadas indiscriminadamente no meio ambiente, principalmente pela agricultura de grande escala. 

"Primavera Silenciosa” é considerado um dos 10 livros ambientais mais importantes do século XX, num rol de obras que inclui títulos como Estado do Mundo do Instituto Worldwatch, Caminhos da Energia Soft de Amory B. Lovins, Capitalismo Natural de Paul Hawken et. al., e A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich. 

Coincidentemente, dia 27 de setembro também é a data na qual se comemora o Dia Mundial do Turismo. A data foi instituída pela OMT (Organização Mundial do Turismo), órgão que compõe o Sistema das Nações Unidas, em setembro de 1979, em homenagem à implantação do Estatuto da entidade, adotado desde 1970, um marco na história do turismo mundial. Encerrando o nosso quinto volume, incluímos nesta edição os primeiros trabalhos apresentados no XII Encontro Nacional de Turismo com Base Local (ENTBL), em suas versões completas (em novembro publicaremos os anais no evento, com os resumos de todos os trabalhos), além de outras contribuições enviadas por renomados pesquisadores brasileiros e indianos. São quatorze artigos originais"



Dentre eles, está um artigo de nossa autoria, que aborda uma temática importante da relação do café com o turismo, intitulado:

Helga Cristina Carvalho Andrade, Marina Bernardes Carneiro Moss


Resumo

"A cafeicultura brasileira é composta 60% por agricultores familiares, responsáveis por 25% da produção nacional. No estado de Minas Gerais, a cafeicultura exerce grande influência sobre muitas economias locais, cujos municípios em geral estão localizados em áreas de montanha. O café, no contexto da agricultura familiar, não pode ser tratado com um produto genérico, já que em torno do mesmo formou-se uma cultura que ultrapassa o modo produtivo, influenciando a vida em comunidade, as tradições e mesmo a qualidade do produto final. Por ser um produto influenciado pelo microclima e pelo fator humano, o café goza de prestígio como gênero gastronômico, e o universo que o envolve pode atrair fluxo turístico para as regiões produtoras. Na Colômbia, características locais – grande maioria de agricultores familiares, dificuldades de cultivo em larga escala e de comercialização – levaram à criação da Federação dos Cafeicultores da Colômbia, organismo que não só buscou a valorização do café colombiano perante o mercado internacional, como promoveu nas origens condições para o desenvolvimento turístico centrado no tripé produto (café) x produtor (cafeicultor) x meio produtivo (microclima). Os objetivos desse trabalho consistem em i) identificar as características semelhantes entre as realidades colombiana e mineira quanto à cultura do café; ii) analisar o modelo de aproveitamento turístico do café na Colômbia; e iii) apontar diretrizes para o turismo rural focado na cafeicultura familiar mineira. A metodologia incluiu três etapas de trabalho, sendo a primeira de revisão bibliográfica, a segunda de investigação documental sobre o objeto de estudo e a terceira uma visita ao Eixo Cafeeiro, para vivenciar uma experiência de turismo rural na Colômbia. Os resultados encontrados mostram que o caso de sucesso na Colômbia, que possui características geográficas e culturais semelhantes ao estado de Minas Gerais com relação ao café, apresenta-se como um modelo a ser analisado e adaptado, visando à valorização do café mineiro em suas especificidades, o incremento de renda do cafeicultor familiar e a criação de uma identidade gastronômica mineira que inclua o café". 


Ficamos muito felizes com o convite para publicação e gostaríamos de compartilhar com vocês todos os belíssimos trabalhos publicados pela revista:






Estaremos presentes no XII Encontro Nacional de Turismo em Base Local (ENTBL) , em São Paulo, para apresentar o artigo oralmente.



Fica o convite a todos que se interessarem.

Boa leitura!

Estrutura e Capacitação: dois dos desafios para um Turismo do Café no Brasil

As andanças do Projeto Umami no Eixo Cafeeiro da Colômbia nos levaram a diversas reflexões sobre a viabilidade de promover o turismo em regiões produtoras de café aqui no Brasil. 

A flânerie pelas cafeterias de Buenos Aires contribuiu para a percepção de que um novo olhar do brasileiro sobre seu próprio café é parte essencial da construção de uma identidade que permita uma experiência turística legítima dentro das nossas fronteiras tupiniquins.

Ambas as experiências nos lembram que a estrutura (infraestrutura, macroestrutura...) e capacitação da cadeia do café para a inserção no turismo são desafios e passos essenciais se queremos construir uma cafeicultura visitável, experimentável por meio da atividade turística.

Divagando sobre esse tema, começamos um brainstorming na comunidade Rede do Café, no Peabirus. Vale a pena conferir alguns pontos de vista levantados por pessoas que estão em gerações, lugares e funções diferentes da cadeia:


Oportunamente, enquanto falávamos da necessidade de capacitar, também foi publicada a agenda de cursos do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) da Regional Sul de Minas, e um dos cursos oferecidos em julho é uma capacitação em Turismo Rural. Aqui, a agenda completa.

De quebra, pra se deliciar, vale conferir o Café Sertanejo retratado por Ensei Neto, o Café Cabeludo, o Café de Pedra... exemplos que como a cultura do nosso sertão se mistura com o café e essa bebida turva ninguém coa.

Pequenas ações, pequenas idéias, conectadas, constróem redes de alcance imprevisível.


Texto por Helga Andrade

Descobrindo os sentidos em Buenos Aires

A idéia de degustar Buenos Aires sempre foi almejada pelo Projeto Umami. A capital porteña é famosa por suas charmosas cafeterias que nos convidam a saborear diferentes tipos de café, especialmente brasileiros e colombianos. Os argentinos adoram café, e neste sentido se parecem muito com nós, os brasileiros.

A intenção era a de mergulhar nesta cidade em busca de experiências. Mas precisávamos ir além. Só conhecer cafeterias e beber bons cafés com os hermanos não caracterizam uma experiência completa. Para isso, é preciso despertar os sentidos, despertar olhares, e mais que tudo, atingir verdadeiramente as pessoas.



A ida à Argentina foi motivada pelo convite que recebemos para apresentar o Projeto Umami no Seminário sobre Comércio Exterior e Negociações Internacionais, realizado por uma parceria entre a Yuntas Internacional e a Universidade Tecnológica Nacional de Buenos Aires (UTN), fundada em 1959[1]. O convite da palestra tinha como objetivo abordar as relações comerciais entre Brasil e Argentina, tendo o café como um estudo de caso.

Em algumas palavras: o Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, embora poucos brasileiros saibam disso. Neste sentido, o Projeto Umami visualizou uma oportunidade de levar este conhecimento para os estudantes e profissionais de Comércio Exterior que estavam em Buenos Aires e participavam do seminário. A lógica por trás desta escolha é despertar o olhar dos futuros profissionais desta área para a questão do café brasileiro, umas das mais importantes commodities do país.



Não seria exagero dizer que o Brasil perde nesta balança comercial, uma vez que exporta muito grão de café cru para países que irão torrá-lo e revendê-lo no mercado externo por um preço mais valorizado. E mais que isso, o país perde a chance de exportar um produto excelente, finalizado aqui, de maior valor e que poderia contribuir para o desenvolvimento do nosso controle interno de qualidade. As exportações de café torrado e instantâneo, ainda que significativas, são muito pequenas neste cenário, embora a Argentina figure entre os principais importadores deste produto em sua fase final. E ainda nem estamos falando de café de muita qualidade, café especial de origem brasileira.

Importante deixar claro que o Projeto Umami não tem como meta somente fazer uso da cadeia produtiva do café para promover o turismo. Mais que isso, temos o entendimento de que a atividade turística é uma ferramenta extremamente importante que pode, e deve, ser utilizada para a valorização de um dos nossos principais produtos comerciais, de importância incontestável para nossa história e cultura.

Por esta razão, além de abordarmos na palestra a questão das relações comerciais envolvendo o café brasileiro, decidimos utilizar este momento para apresentar o café especial para a turma, totalmente leiga no assunto. Esta parte costuma ser muito interessante, pois as primeiras reações costumam ser de surpresa: “Nossa, nem sabia disso...” O momento da descoberta é sempre encantador. Mas não basta apenas falar sobre café gourmet, café especial... Imprescindível também apresentar o profissional do café, o Barista!

Uma palestra sobre café costuma encher a boca de água... É mesmo um convite para o despertar dos sentidos. Com os sentidos dispersos, já poderíamos passar para a outra parte da experiência: “Então, quem gostaria de nos acompanhar para uma degustação de cafés especiais”?

Ao lado da UTN existem dezenas de cafeterias, dentre elas algumas Starbucks, rede norte americana. Apesar de suas cafeterias espalhadas pelo globo não apresentarem ao cliente o trabalho artesanal e individualizado do barismo (já que usam principalmente máquinas automáticas), representam o pioneirismo no que toca à apreciação e valorização de cafés especiais. A Starbucks foi umas das responsáveis por disseminar a cultura do consumo de cafés de qualidade pelo mundo. Por esta razão, dentre as cafeterias existentes na Argentina, a Starbucks foi escolhida para o primeiro contato consciente do grupo com o café especial. E fomos muito bem recebidos pela rede, que reservou uma sala e nos ofereceu uma degustação de cafés, sob orientação de um de seus baristas.

O barista argentino nos recebeu com duas french press e blends de diferentes origens do mundo. Depois que todos apalparam os pacotes de café, os grãos e o própria cafeteira francesa, o sentido trabalhado foi o olfato...  É incrível como o aroma de um café especial é completamente diferente do café extra torrado que estamos acostumados no dia a dia brasileiro! Muito bacana a reação das pessoas ao perceberem a riqueza do aroma... E esta experiência, de despertar os sentidos básicos de uma pessoa que nunca teve contato com o café especial é bem gratificante.

O estímulo visual proporcionado por uma degustação como esta é bem marcante! Observar a french press trabalhando, o formato dos grãos de café, até mesmo sua cor, é inevitável. A cor do grão de café especial costuma ser marrom-dourada, ou marrom avermelhada... bem diferente da imagem que as pessoas costumam ter, decorrente da associação inconsciente  com aquele pó preto ao qual estamos habituado! O grão de café é lindo, e mais lindo ainda é ver como é fácil se apaixonar por ele...

E aí veio o paladar e a harmonização com alimentos doces e salgados. Era a hora da verdade, quando as pessoas experimentam o café, depois de todos estes estímulos anteriores... Confesso até que deve ser bem difícil não gostar, pois nosso corpo e nossa mente já estão bastante receptivos, em razão do processo. E ainda assim, o café nos surpreende! Sem açúcar! Imagine... O que são pessoas acostumadas com o “café docinho nosso de cada dia”, de repente ingerirem um café puro... e gostarem. E gostarem!

Tem como não se perguntar: por que eu nunca soube disso antes? Não, não tem... Aliás, confesso que no início, quando comecei a observar as pessoas passando por esta experiência e se perguntando o porquê de não terem este conhecimento, cheguei à conclusão de que isso não é algo surpreendente. É óbvio! Mesmo quem não tem muito o hábito de beber café, muito provavelmente, vai rever seus conceitos.



Uma experiência como esta nos mostra como existe um mercado consumidor potencial no Brasil. E como o brasileiro quer ter acesso a cafés de melhor qualidade no seu dia a dia. Nós amamos café, naturalmente. Ele está presente todos os dias em nossos lares. E ainda que hoje já seja possível encontrar cafés especiais à venda em padarias e supermercados mais especializados, o preço do mesmo não é nem um pouco convidativo. E poderia ser diferente? Paradoxalmente, o café especial é raro por aqui...

O turismo pode contribui muito com este processo de democratização do café especial. Primeiro por que uma pessoa em trânsito, principalmente em outro país, está mais aberta a novas experiências. Segundo por que a atividade turística permite e estimula uma troca muito interessante. Numa cidade como Buenos Aires é quase impossível não querer tomar café. Ainda que esta experiência tenha sido urbana e por isso não tenha permitido o contato com a terra, com o meio rural, caminhar pelas ruas da cidade e perceber como valorizam o café brasileiro, como ele está presente nas vitrines, nas máquinas de espresso, nos pacotes de blends especiais, desperta o olhar, chama a atenção para nosso produto. Os argentinos amam o café do Brasil e não é só nas cafeterias não! Nos supermercados, nos restaurantes, nas casas, ele está lá. O país não produz café. Seu consumo depende das importações, principalmente do café brasileiro e do colombiano.

Quando perguntei ao meu amigo argentino o que ele queria que eu levasse do Brasil, ele nem pensou duas vezes: quero café. Nós somos o país do café! Por que ainda não percebemos isso? O Projeto Umami trabalha para contribuir com um novo olhar sobre este potencial do país. Queremos que os brasileiros conheçam seu produto e tenham acesso a ele. Por isso investimos em viagens que despertem os sentidos, não importa quais sejam eles ou de que forma. Para cada tipo de público, um tipo de abordagem. Para cada realidade, um tipo de leitura. Cada experiência será única, desde que ela seja capaz de tocar na alma de quem tem a vivência.



Na Colômbia, na Argentina, no Brasil, em Minas Gerais, em São Paulo, não importa. A grande questão é ampliar o olhar, oferecer novas perspectivas e contribuir para que o primeiro passo seja dado, para que a pessoa, por si só, tenha o interesse de seguir adiante, de se aprofundar em sua busca. Esta experiência na Argentina foi bem diferente da experiência que tivemos na Colômbia, pois lá estávamos com um grupo de pessoas que já conhecem o café especial e gostariam de aprofundar seus conhecimentos. Em Buenos Aires, nossos participantes nunca tiveram contato consciente com café especial, e por esta razão, esta foi uma experiência de descoberta! Descobrindo os sentidos...

O Projeto Umami acredita em experiências.

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Confira as fotos no álbum Degustando Buenos Aires


                                     

Texto e Fotos: Marina Moss


[1] Criada com a função de criar, preservar e transmitir a técnica e a cultura universal no campo da tecnologia. Saiba mais aqui!

Que tal comemorar?

Neste dia que celebra o amor, uma homenagem especial à uma paixão que nos move...


Inspiradas pela ABIC!

Degustando Buenos Aires


Quando começamos a desenvolver o Projeto Umami, Buenos Aires sempre foi um destino almejado. Ainda que a Argentina não seja produtora de café, nem tampouco um grande importador de café, o que chama a atenção neste país é a forma como valorizam o produto brasileiro.

Os hermanos porteños amam o nosso café e a cidade possui uma incrível concentração de cafeterias charmosas, aconchegantes e que enchem a boca de água! E ele está sempre lá, nas paredes, nos balcões, nos cardápios: o café brasileiro, acompanhado das famosas medialunas, chocolates, churros e o delicioso alfajor argentino.



Em Buenos Aires o Projeto Umami encontrou um prato cheio de experiências incríveis associadas à descoberta do café especial. Aqui respira-se café e o clima frio convida à entrada nas tradicionais casas de café que se estendem por todas as ruas da cidade!

Esta semana promete muitas descobertas! Acompanhem por aqui!

Tudo é questão de despertar sua alma...

O que significa essa tal experiência?

Estes dias, enquanto trabalhava, comecei a refletir sobre o desafio de criar experiências. Pesquisando na internet é possível perceber que o chamado turismo de experiência está meio na moda... Foi pensando nisso que comecei a escrever um artigo para o blog que abordasse este tipo de turismo, compartilhando com os leitores algumas considerações sobre o tema. E assim comecei... Até me dar conta de que a palavra experiência, em si, é muito ampla, e pode ser utilizada em vários contextos.

Quando falamos em turismo rural, turismo cultural, turismo de aventura, por exemplo, é meio óbvio o tipo de atividade, o tipo de proposta e por que não dizer, o tipo de experiência. Mas, se estas atividades costumam ser consideradas experiências, por que então inventar um novo segmento de turismo e chamá-lo de turismo de experiência? A primeira impressão é de que este termo é redundante... Mas será isso mesmo?




Antes de tudo, vamos refletir sobre o que é a experiência em si. No entendimento que assumimos no Projeto Umami a experiência tem um sentido muito especial, único. O desafio aqui não é só criar experiências, mas oferecer a oportunidade para que as pessoas vivenciem experiências, sintam-se parte de algo, conectadas com momentos, lugares, pessoas. A atividade em si será incompleta se não formos capazes de motivar as pessoas para que elas se disponham a ser tocadas por experiências que associem a atividade turística com a cultura gastronômica.

A origem da palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia. Em grego, há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem. Assim, a experiência é uma espécie de abertura para o desconhecido. Em português, experiência significa “o que nos acontece”. Em espanhol, “o que nos passa”. Em italiano,“quello che nos succede” e em inglês, “that what is happening to us”; Portanto, a experiência é o que nos acontece, o que nos passa, o que nos toca. Não o que acontece no mundo, de forma geral, mas o que acontece conosco, dentro de nós. Neste sentido, é preciso se sujeitar à experiência. Em outras palavras, a pessoa precisa se transformar em um território de passagem, alguém sensível, que pudesse ser afetado pelo que lhe acontece, marcada, alguém em que se possam deixar vestígios. Ao entender a experiência como “aquilo que nos acontece”, nos tornamos um espaço onde têm lugar os acontecimentos.  Por outro lado, é incapaz de experiência aquele que se fecha, a quem nada lhe passa, a quem nada o toca, nada o afeta, a quem nada ocorre.

Fiquei imaginando um currículo, destes que enviamos às empresas quando nos candidatamos a alguma vaga. Sempre nos perguntam quais nossas experiências de vida, acadêmicas e profissionais, como se isso realmente pudesse ser algo tão dividido assim. Experiência não é algo que se tem, mas algo que se é, ou melhor, algo que nos torna. Somos resultado do conjunto de experiências que vivenciamos e que nos moldaram, deixando vestígios em nós. Não temos experiência em nada. As experiências que nos tem, ou não. Ou vivemos as experiências, ou nada nos acontece. Existe um pensador espanhol, Jorge Larrosa Bondía, que gosta bastante desta discussão e afirma que as experiências são algo raro hoje em dia. Segundo ele estamos imersos na “Sociedade da Informação”, na qual existe um excesso de informações e de opinião: todo mundo tem uma (suposta) opinião sobre o que se passa, o que acontece ou o que é. As pessoas têm cada vez mais informação, e cada vez menos experiências. Quase nada lhes acontece de fato porque a sociedade contemporânea tem criado um GAP na relação entre o conhecimento e a vida humana. E a experiência é, ou deveria ser, uma espécie de mediação entre ambos.

Além disso, existe a questão da falta de tempo. Hoje não só tem muita informação e opinião, como somos também consumidores vorazes e insaciáveis de noticias, fatos e até mesmo lugares. Nunca estamos satisfeitos. E a experiência, na contramão, é a possibilidade de dedicar tempo para que algo nos aconteça, ou nos toque. Ela requer “parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, e dar-se tempo e espaço”.

A experiência no contexto deste blog é entendida como a informação transmitida pelo meio, percebida pelos cinco sentidos. O foco é a criatividade e autenticidade como bases na formatação de produtos e serviços que proporcionem sensações únicas e inesquecíveis, que contem histórias e trabalhem com os sonhos. Existem evidências de que existe um perfil de turista novo, mais consciente, que não quer ser meramente contemplativo, antes disso, ele quer viver alguma coisa, quer que algo o aconteça e o transforme.

Portanto, a verdadeira experiência traz à tona a necessidade de recuperar as relações profundas entre as pessoas e o meio, através do despertar de seus sentidos. As idéias e ações aqui compartilhadas são concebidas sobre este alicerce. Criar formas de conectar mais as pessoas com o mundo e através disso valorizar produtos da terra é o nosso ideal. Por isso, quando penso no significado da palavra experiência, sempre me vem à mente as sábias palavras de Gabriel García Marquez, que a meus olhos traduz perfeitamente o sentido da palavra e, conseqüentemente, nosso maior desafio quando pensamos na busca da verdadeira experiência: "Tudo é questão de despertar sua alma..."


Texto por Marina Moss

Devaneios sobre a arte "de tomar" cafés

Post escrito para o Clube Barista, mas que diz muito sobre café e experiência pessoal de cada um. Por quê não compartilhar aqui também?

"Bom. Afinal de contas, o Clube Barista é pra ser um clube, não? Uma reunião de pessoas que, por profissão ou afinidade, troquem ideias em torno de uma xícara de café. Sendo assim, nada mais justo que contar com a contribuição de leitores e colegas para animar ainda mais nossa discussão sobre infusões e rubiáceas. Nossa convidada de hoje é Marina Moss, turismóloga belorizontina e apaixonada por café. Esse texto vem muito a calhar no blog do CB, e eu o apelido carinhosamente de Manifesto. A Marina nos traz a visão leiga de quem, de repente, descobre que durante a vida inteira aprendeu tudo errado sobre café. Errado mesmo? Manifestem-se!"
Helga Andrade, Clube Barista





Não sou barista, nem cafeicultora, nem trabalho no ramo cafeeiro. Sou brasileira e amo café. Simples assim. Sou aquela pessoa comum que cresceu sentindo o cheiro de café feito em casa, coado na hora, adoçado com açúcar e acompanhado com broa de fubá. Gosto dessa lembrança, e sigo esta tradição assim na minha casa, com minha família, meus amigos, com aquela visita de última hora: “Entra pra cá, aceita um cafezinho?”. Aliás, adoro que me convidem para um cafezinho... 

Ultimamente, tenho ficado em crise. É que minha paixão pelo café me levou a conhecer pessoas e lugares. Pessoas que trabalham com café, profissionais do café. Lugares especializados no melhor café, cafés especiais, com aromas e diferentes “blends” (não entendo isso direito, mas escuto muito). 

Agora eu sei que existem cafés maravilhosos, únicos. Que o Brasil é o maior produtor de café do mundo e que tem se especializado cada vez mais em cafés finos e especiais, os chamados Cafés Gourmets. Tenho acompanhado de perto amigos baristas e sua arte (pois são artistas) de fazer café, tenho freqüentado campeonatos, tenho lido sobre todo o processo produtivo do café, e cada vez mais, tenho certeza de que estamos comendo mosca, abafando nosso potencial em ser o País do Café. Mas não do “café matéria prima, commodity”... e sim do café de qualidade, do valor agregado do café, dos melhores profissionais do café.



Mas a questão é que, mesmo sabendo disso, eu ainda amo o meu cafezinho. Estou em crise, pois tenho aprendido que o café que eu cresci tomando é ruim. Que não se coloca açúcar em cafezinho, ops, ESPRESSO... Isso é um crime contra a doçura natural do bom café. Mas e aí? Se eu quiser tomar um café bom não poderei mais viver meu momento cafezinho doce em casa? 

Confesso: achei muito ruim quando tomei minha primeira xícara de café ESPRESSO. Horrível... Fiquei me perguntando, será que para ter o direito de degustar um bom café, só sem açúcar? Isso é sofrido. Meus amigos baristas têm tido muita paciência comigo... Às vezes me deixam colocar um pouquinho de açúcar, ou então, inventam algumas combinações docinhas e ai fica mais fácil. O resultado desta atenção é que tenho gostado cada vez mais! Quebrado barreiras. Começo a acreditar que o café especial pode ser acessível a todos os lares do Brasil, pode se tornar parte de nossa cultura e do nosso cotidiano. 

Lembrei-me que, antes de aprender a apreciar um bom vinho, bebi muito vinho Canção por aí... O aprendizado foi um processo. Tem que aprender a ler a bebida, aprender a valorizar, aprender a beber. Ninguém nasce gostando de vinho, e desconfio que nem de café. Meus amigos baristas tem tido o cuidado de me ensinar o que é um bom café. Não fui criada assim, cresci bebendo café doce e penso que esta é uma mudança de hábito, uma incrementação cultural.

“Tomar um cafezinho” faz parte da cultura brasileira, é a arte do encontro. A estratégia de inserção de melhores grãos e a valorização do café no mercado brasileiro não pode nunca negligenciar esta realidade... Porque, mesmo conhecendo cada vez mais o mundo dos cafés especiais, jamais recusarei um cafezinho para um “dedo de prosa”, por pior que ele seja... por isso, melhor será se puder ser com um café gostoso e aromático!

Acredito que, como eu, exista milhões de brasileiros que amam um bom café, e que ficariam muito satisfeitos de ter acesso aos nossos grãos preciosos, para que nosso melhor café fique aqui no Brasil e não só nas deliciosas máquinas Starbucks espalhadas mundo afora. Perfeito será se eu puder degustar meu “cafezinho especial”, feito com grãos de qualidade, na tranqüilidade da minha casa, desfrutando de companhias na minha mesa... Será que dá?

E fico me perguntando: Quem vai ensinar a arte de beber café aos brasileiros, meus queridos amigos baristas?


*Marina Moss é turismóloga pela UFMG e atua em Belo Horizonte. Para entrar em contato, escreva paramarinamoss@yahoo.com.br

Café com turismo em Serra Negra


Belezas naturais da região e cafezais a mais de mil metros de altitude atraem visitantes para conhecer a lida do campo

                                    

Turismo Rural em Serra Negra/SP

O café produzido em Serra Negra vai muito bem. O município, integrante do Circuito das Águas Paulista, fica a 972 metros acima do nível do mar, em um vale rodeado de montanhas. Os cafezais, abertos em encostas de morros, se beneficiam desse clima ameno, típico ''clima de montanha'' e terra boa. A temperatura média fica em máximas de 29 e mínimas de 5 graus. A grande maioria dos cafeicultores, 90%, se beneficia dos recursos que a própria natureza dispõe e por isso faz o plantio em áreas declivosas.

Talvez por isso mesmo o café continue sendo uma cultura tradicional, representando a principal atividade agrícola no município, com 75% da receita rural, conforme a Secretaria da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Serra Negra. O perfil agropecuário é o de pequenas propriedades: só 14% têm áreas acima dos 50 hectares.

EM PLENA SAFRA

São 16 bairros rurais, onde a quase totalidade atua na agricultura familiar. A média anual de produção de café colhido é de 120 mil sacas beneficiadas, o que gera uma receita para o município em torno dos R$ 30 milhões. A colheita começa em geral no fim de maio ou meados de junho e segue até agosto ou setembro. Serra Negra tem 3.500 hectares de café em plena safra.

É nesta época de safra também que o turismo rural é mais intenso. Os agricultores se organizam para receber o visitante em busca de passeios que vivenciem a lida do campo. ''O turista gosta de ver como é colhido o café, como é feita a torrefação e compra para levar para casa'', explica o secretário da Agricultura, Hélio Rubens Franchi Silveira.

Na propriedade Vale do Ouro Verde, o produtor Nelson Bruni tem um cafezal a 1.040 metros de altitude. Os cultivares do arábica são o catuaí, obatã, tupi, urubatã. A variedade mundo novo, de porte alto e espaçamento largo, vem sendo substituída pelas anteriores, que têm um porte médio com alta produtividade, excelente para o maior adensamento e facilidade na colheita.

''Imagine o funcionário carregando uma escada subindo a montanha para colher café?'', pergunta ele, mostrando a porção do cafezal que sobe pelo vale. Agora, aonde estavam 500 pés do mundo novo, podem entrar 1.380 pés de catucaí ou do tupi. ''Tirei mil pés de mundo novo e substituí por 3.500 de obatã'', conta Bruni.

Além da renovação da lavoura, com um cafezal novo com boa carga de grãos, o produtor vai contabilizar maior produtividade por área. ''Dá para colher no terceiro ano. No sexto ano o café já é adulto.''

O espaçamento adotado vai depender da poda que se pretende fazer mais adiante. Uma poda drástica, por exemplo, quando sobra apenas um toco de 40 centímetros da planta; um desbaste para deixar formar ''a saia'' da planta ou o esqueletamento, o corte da galhada para que cada galho possa gerar entre quatro e cinco novos ramos.


O produtor não gosta de apresentar números da produção, mas informa que está produzindo bem e com um preço razoável. Sem querer mencionar a previsão deste ano, e maldizendo o ''fiasco'' do ano passado, conta que vende 90% para empresas. O restante põe no terreiro, beneficia, torra, embala em grão ou moído e distribui em empórios, lojinhas e casas de café expresso com marca própria. Além disso, recebe turistas na propriedade.


INFORMAÇÕES: Casa da Agricultura, tel. (0--19) 3842-2815

Autor: Rose Mary de Souza - Disponível em: O Estado de S.Paulo